sábado, 14 de maio de 2011

Posso enriquecê-los? ou 5 personas!




"No entanto, cada pessoa que chegou interfiriu no processo. Eu quis essa interferência, precisei disso para alargar o entendimento".
Regina Célia Barbosa

    Hoje nos jardins do Museu da República - RJ (Parque do Catete) apresentei a performance Pele de Papel, performance essa que existe desde 2007. Estava meio apreensiva justamente pela mesma já ter um certo tempo, e sempre o que nos é cômodo, ou melhor, o que nos é conhecido tende a encontrar a morte mais facilmente. O que quero dizer com isso? Simples, estava apreensiva pois achava que talvez a ação pudesse está sem vivacidade, sem força, cristalizada. Percebendo isso resolvi percorrer outros caminhos; Vale ressaltar que essa posição de percorrer outros caminhos, de reenconstruir, de desconstruir, essas possibilidades  é uma característica que a própria performance oferece.  Materializei a minha apreensão:

  1. Encontro com espaço:
 Antes mesmo querer modificar ou agir sobre o espaço de apresentação me dei tempo/espaço para perceber o lugar que estaria inserida nesta tarde de sábado. Peguei meu banco, os livros, e escolhi um canto para respirar, ouvir, me alongar e ler os poemas que gostaria de trabalhar hoje. Escutei o som do pato, o som de algum equipamento de serralharia do prédio ao lado do parque, escutei o som das asas dos pombos. Vi muito verde, variações de verde, árvores imensas, duas árvores cortadas, e grama, a qual não podia ser pisada. O clima estava instável, mas que bom que São Pedro também estava como parceiro do evento Perpendicular Res Pública - srsrsrrs - . Um leve sol se abriu e com isso as pessoas começaram a aparecer no parque. Esse momento levou um pouco mais de uma hora.

    2. Agregando novos elementos como o tapete vermelho:

    Sempre trabalhei com essa performance sobre o chão das ruas e calçadas sem nenhuma outra superfície, e poucas vezes com uma lona branca  de 2X2. Pensando como seria desta vez me recordei quando apresentei na Bienal do Livro de 2007, em Maceió; Por ser um evento organizado dentro de um galpão de exposições o espaço tinha muitos recursos, o próprio chão tinha  o recurso do tapete - carpete vermelho -.  Pensando neste carpete que tem um quê de requinte, quis experimentá-lo num lugar aberto, trazendo para o lugar parque também uma alteração, recriando o espaço para ação. O próprio ato de enrolar e desenrolar o tapete aos pés das pessoas que estão caminhando instaurou um outro momento que fugiu do lugar comum. O espaço de pele de papel juntou-se assim ao parque, deixando impreginar-se pela paissagem ao redor e marcando o espaço com o seu contraste, a extensão do vermelho.

    3. O poeta se faz presente:

     Sempre usei os poemas dos alagoanos Regina Célia Barbosa e Nilton Resende nesta performance, mas algo a mais a esse respeito aconteceu. Quando estava em Maceió no final do mês de abril comentei com Nilton, o poeta, sobre a apresentação no Museu da República, disse que iría usar seu livro. Generosamente ele perguntou se eu não queria pegar alguns livros com ele para oferecer ao "público-passante". Claro que aceitei, achei a ideia genial; Ele deixou os livros para mim na recepção do IZP, ao lado do Linda Mascarenhas, onde estava ensaiando. Deixou 10 livros de sua publicação O orvalho e Os dias. Com isso Nilton pode não só está com algumas pessoas por alguns instante através de sua obra, mas agora neste exato momento Nilton contínua com algumas delas! O espaço/tempo da performance se altera com isso, ultrapassando as grades do parque e adentrando em alguns lares carioca.

SOBRE A AÇÃO:

     A primeira coisa a se dizer é que o título desta postagem podería ser outro se não houvessem tantas interferências, tantos encontros.

     Nesta tarde pude ver diversar pessoas e me encontrar propriamente com 5 personas.  O vendedor de sepulturas, Bernardo: O Português, O formador de palavras cruzadas, Marcelo: O engenheiro e Marília: a astróloga.

    A primeira pessoa com quem tive contato depois do primeiro momento de reconhecimento do espaço foi O vendedor de sepulturas, esposo da 4ª esposa de Vinícios de Morais, que é também poetisa. Ainda sem tapete somente com os livros  perguntei a ele se poderia ler um poema, ele me respondeu -  Não,  estou triste para ouvir poemas.  Ele disse que o queria fazer era vender sepulturas, por isso que estava alí. Continuei a insistir, e ele me disse delicadamente e novamente que não, pedi mais uma última vez dizendo para ele que tinha um poema que falava sobre tristeza X felicidade; Neste momento ele aceitou ouvir:
UTILIDADE

"Queria aprender a não fazer e viver a inutilidade de ser: sumir, ficar nuca, saltar muros, sair de mim, solteira na vida, moleque no agir, poeta no sentir e ardente como os amantes... E com as contradições desse mundo, nem posso me definir tanto assim, deixo o tempo levar adiante o que for importante, e fico sorrindo com tudo isso, pois a felicidade tem um utilidade bem interessante, traz mais responsabilidade que a tristeza". 
Regina Célia Barbosa. 
       O encontro com o vendedor de sepulturas foi um preâmbulo, é que estava caminhando até a Galeria do Lago para buscar o tapete e os outros livros para dá inicio ao segundo momento quando resolvi abordá-lo. A primeira pessoa mesmo desse segundo momento foi o Formador de palavras cruzadas; Cheguei próximo desse senhor que devia ter seus 70 anos e perguntei se poderia tomar um pouco de seu tempo, inicialmente ele disse que sim, mas logo em seguida perguntou se eu iria atrapalhar ele em seu momento de lazer. Disse a ele que seria pouco tempo, a medida que falava isso fui desenrolando o tapete vermelho, abri o livro; Quando ia começar a ler ele disse que não queria ser incomodado, que era apenas um velho que estava querendo descanso e formar suas palavras cruzadas. Veementemente ele disse -  Não quero ouvir poesias, não suporto poemas! Escutei aquilo e parei, olhei bem para ele e comecei a enrrolar o carpete novamente; parei novamente e pensei se me despedia ou dava o silêncio como resposta. Dei o silêncio como resposta. 

        A segunda pessoa foi Marcelo, o engenheiro. Este encontro foi muito mais leve do que o anterior, li dois poemas, escrevi em meu corpo pedaços dos poemas lidos, perguntei se ele teria algo para escrever em minha pele e ele escreveu: Esperança. Por meio da performance construímos um outro momento; Ele me convidou para sentar e conversamos por mais ou menos 10 a 15 minutos, ele disse que queria me dizer uma coisa sobre minha abordagem: - Sería melhor talvez você perguntar as pessoas: Posso enriquecê-las? - Ele disse isso mediante como eu o abordei - posso tomar um pouco do seu tempo? - que talvez tivesse na leitura das pessoas algo relacionado a venda. Ele me transcorreu inúmeras possiblidades de leitura, algo que passou pela própria cabeça dele. Agradeci e disse que isso me ajudaria muito com as próximas pessoas.





         Encontrei outras pessoas antes de Marília, mas quero falar das que me atravessaram , como os dois senhores que me dizeram Não, como o Marcelo com sua disposição, em fim. Marília já havia passado por mim no momento que estava fazendo a ação para outra pessoa, depois disso à avistei e fui ao seu encontro. Sem falar nada desenrolei o tapete, mostrei os poemas que estavam em meu corpo e li, depois li os mesmos poemas, mas os do livro, li outros poemas e perguntei depois disso se ela queria escrever algo sobre minha pele, ela escreveu: Vivemos o que acreditamos! Depois disso ela agradeceu, disse que era astróloga e que estava de passagem pelo Rio de Janeiro. Antes de sair eu ofereci o livro do Nilton Resende dizendo: - O poeta mandou para você -, ela não quis receber, achou que era para comprar mesmo eu dizendo que era uma oferta; Até que ela entendeu e aceitou, mesmo assim ela disse que não tinha dinheiro, mas se eu  quisesse ela poderia dar cinco reais. A última coisa que eu disse foi: Por favor né Marília, é um presente para você!

       Para terminar queria falar de Bernardo o português. Ele acompanhou a performance desde o primeiro momento, o de reconhecimento do espaço, ficou sempre perto. Chegou para mim depois no momento em que estava indo buscar o tapete e perguntou se a minha performance já havia começado? Eu disse que a ação propriamente dita não, mas que aquele momento fazia parte de um "aquecimemento", "concentração". A medida que estava fazendo a ação via ele sempre perto, curioso. Quase no final fiz também para ele... Mas o que me atravessou foi escutar ele lendo o poema Motivo do Nilton Resende. Entreguei para ele também o livro Orvalho e Os dias. Renata Marques estava fotografando meu trabalho, e pedi no momento que ele estava lendo que Renata filmasse. Fiz esse pedido pra guardar esse momento, e também como forma de presentiar ao Nilton que me foi tão generoso!

3 comentários:

  1. Eu continuo dizendo que a vida é feita de momentos preciosos, e nesses momentos surgem os encontros preciosos... bom, como trabalho dentro de caixa cênica [até o presente momento] só consigo compartilhar dessas preciosidades nos encontros mais cotidianos, mas qualquer expressão artística é capaz de proporcionar essas pérolas.
    Silêncios ou negativas já são respostas, talvez não as joias que queremos, provavelmente são diamantes brutos, só basta saber que vai lapida-los, se quem proferiu o não ou optou pelo silêncio, ou se quem escutou a negativa e aquilo que não foi dito.
    A arte do encontro mais do que o encontro da arte. Acho que isso é o que vale a pena!!!

    ResponderExcluir
  2. poxa, charlene,
    não sei o que dizer. não sei mesmo. mas, digo que estou emocionado e grato. muito.

    beijo.
    nilton.

    ResponderExcluir