sexta-feira, 30 de julho de 2010

Reportagem da Gazeta de Alagoas Sobre o Final do Projeto Registro Geral: Recuperação Material do Ato de Existir

Gazeta de Alagoas
Maceió, Quinta-feira , 29 de Julho de 2010
Ano LXXVI/Nº2145
Reportagem de Fernando Coelho
Chamada da Primeira Página

Parte da Reportagem


Trechos da Reportagem

DEPILAÇÃO E SEXUALIDADE
Aprovado pelo edital KLAUSS VIANNA DE DANÇA, da FUNARTE, a iniciativa da Cia. Ltda revelou-se uma das mais ousadas experiências estéticas já produzidas em Alagoas. Além de levar ao "Palco" questões personalíssimas - Caio versa sobre a condição homossexual de seu protagonista e Charlene Sadd Pratica depilação pubiana para provocar reflexões sobre o culto à imagem -, os artistas deixaram o ego na gaveta e se permitiram ouvir críticas para modelar sua performance a partir de opiniões e sugestões alheias. Um misto de coragem e desprendimento em sintonia com a vanguarda das linguagens artísticas atuais. (...)
Em Registro Geral, o caráter performativo das obras sobrepôs o clichê representativo, mas sempre com o cuidado de estabelecer um encadeamento simbólico que fundamentou com clareza o conceito central de cada produção.
 "Se a arte quer evoluir, ela vai precisar achar esse lugar de discussão.Isso é um desafio para a arte. Ela não pode se fechar mais no artista", acredita Jorge Schutze, idealizador do projeto. "A gente aceita o modo antigo, mas se você não provocar uma interação, se não jogar uma experiência para pessoa, se a obra ficar fechada em mim mesmo enquanto estou produzindo, ela se torna difícil". (Pág. B1)


Veja mais: http://gazetaweb.globo.com/v2/gazetadealagoas/texto_completo.php?cod=168407&ass=8&data=2010-07-29


quarta-feira, 28 de julho de 2010


Considerações de Udson Pinheiro - Aluno do 1º período do curso de Artes Cênicas: Licenciatura em Teatro - UFAL

Vou colocar sobre o que achei de Rótulo - As Impressões do Corpo meio que em pensamentos soltos.

Charlene corre desesperadamente por uma beleza inalcançável, uma beleza que não é a dela. Que é a dos jornais, revistas e tvs.

Gosto muito do contato direto - corporal e íntimo - que ela estabelece com os spect-atores ao pedir de forma tão natural que sequem sua pele do suor para que a fita pegue em seu corpo. Confrontar o spect-ator desse jeito com seu corpo ao nu e fazer com que ele o aceite (tocando-o), corpo que em breve será mutilado todo amarrado de fitas. É uma entrega natural e despretensiosa que me comove. É interessante ver as pessoas secando-a e achei perturbador secar, causou-me um certo riso nervoso, a ação me traz uma crítica sobre o que é o corpo para nós, que partes dele podemos tocar, por quê? Isto é sexual? Ou natural?

Interessante como nós ficamos passivos e atônitos sem ação alguma, (talvez coisa de espectador bem educado e obediente) pois após a primeira secagem os outros já sabem para que servirá aquele procedimento. Alguém pode um dia recusar secar por medo do contato com o corpo... ou por discordar da deformação que ele sofrerá... Imaginei também que essa pessoa seria uma dessas amigas cúmplices que aplicam umas nas outras tratamentos de beleza malucos.

Como já disse, a repetição acaba por dizer outra coisa, pois a coisa repetida e repetida ganha um volume e variações, trazendo outras possibilidades interpretativas e esse é o grande barato. Parece que a repetição penetra no inconsciente (como um mantra), fomenta associações outras e levanta textos para bem depois do momento em que assisti.

Existe nisso uma limpeza e economia na linguagem que nos faz ver melhor as partes, talvez também pela reaparição dos signos. Pensei por alguns momentos que se tratasse de um sexo bem ruim, daqueles em que você tem que mostrar para o parceiro que sabe tudo, que tem obrigação de ser atlético, fiquei contemplado pelas observações desse momento feitas no texto de Thiago Sampaio, e fiquei imaginando o que mais é possível ver a partir daquela ação. Depois de muitas imagens que me provocou aquela parte chegou uma hora em que imaginei que seu vestido que é brilhante criando uma zona escura na saia, como uma zona vazia e talvez isto não tenha nada haver, mas é uma criação de signos que vai surgindo para os spect-atores com a repetição.

O telefone foi algo que ficou sendo uma incógnita até Charlene disse que faltava um minuto. Quando a performer diz isso desvenda o mistério do longo kundalini, mas aí começamos a fazer a associação de tudo o que já foi levantado: sexo ruim, vazio, dentre outras coisas... com os exercícios e a obsessão pela beleza. O alarme do telefone soa como um som de redenção, de calma, paz e tranqüilidade, logo após o dever de emagrecimento cumprido.

Sobre o vestido bufante-brega entendi que pessoas que se deformam geralmente tem mal gosto kkkk e mesmo assim acham que estão abafando! rsrs e pensei em você com um maiô verde ou azul.

Gostei do fato de você dialogar com o spect-ator. As frases "Eu quero que o meu namorado tenha a menina perfeita!" "E eu quero que ela seja eu!" são ótimas e as formas como você as diz são muito verdadeiras. Traz a gente prá uma intimidade com a personagem.

Considerando os pontos que foram levantados na discussão sobre o humor, considero que a performance tem mais para ter toques bem-humorados do que para se tornar uma comédia (o que não impede uma experimentação que traga mais texto para vc). Acho que a comédia roubaria possibilidades de dramaticidade que essa construção também tem.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Relatório do Processo de Rótulo - As Impressões do Corpo

Fundação Nacional de Artes - FUNARTE

Prêmio Klauss Vianna - 2009

Cia. LTDA


"Não é ao objeto físico que o corpo pode ser comparado, mas antes, a obra de arte".

Merleau-Ponty



Obra: Odeth, do artista plástico Ricardo Passos


Rótulo - As impressões do corpo existia no papel desde 2006, mas começou a se manifestar como uma possível obra em 2008, no momento em que Cia. LTDA estava com o espetáculo Recursos Humanos: Palavras e Silêncio (também premiado pelo Klauss Vianna - Funarte 2006/2007, BNB -2008, e Alagoas em Cena - 2006). Neste momento o trabalho era nomeado como Falsa Magrela, e ainda se chegou a algumas experimentações, mas sem muito sucesso. Quando a cia. se viu diante de mais uma possibilidade de um edital da Funarte, neste caso o de 2009, pensamos muito o que mandaríamos. Jorge Schutze coordenador da cia. foi algumas vezes na minha residência para falar sobre os futuros projetos, e o desejo que ele tinha era de mandar uma pesquisa dele: Despacho, em um desses momentos ele me convidou para fazer parte dessas ideias, mas viu que o que me interessava no momento é recaí sobre o meu solo. A partir disso sabiamente ele repensou e viu que era possível levantar questões individuais, e ainda sim trabalhar coletivamente; Foi pensando dessa forma que ele reuniu alguns trabalhos que existiam como eu já falei: nos papéis, formando um núcleo dentro da cia. para investigação desses processos. Caio: Procedimento de Rotina, solo do Jorge, é da mesma época que Rótulo. O projeto foi escrito e graças a Deus e ao universo que conspirou ao nosso favor fomos contemplados. O projeto Registro Geral: Recuperação Material do Ato de Existir ganha vida, podendo assim subsidiar aos nossos desejos artísticos.

Tivemos 8 meses para desenvolver nossos solos, sem a pretensão de torná-los produtos vendáveis, mas de instigar a discussão das artes cênicas em Alagoas. Ao longo desses 8 meses realizamos 5 ensaios públicos (contanto com o ensaio final do projeto). Durante esses momentos pudemos contar com um público "especializado": Professores e alunos dos cursos de Artes Cênicas ( : Licenciatura em Dança, Licenciatura em Teatro, Formação do Ator/Atriz (atual Escola Técnica de Artes -ETA) e de Letras todos da Universidade Federal de Alagoas, Professoras de academias de dança, Arquiteta, Jornalista, Cenógrafo, até mesmo secretária de cultura do município de Viçosa: Karina Padilha. Além desse público o espaço sempre esteve aberto para comunidade como um todo, tendo até mesmo divulgação pela internet e por um jornal impresso da cidade, onde convidamos de forma geral a quem estivesse interessado em participar como público de um processo de investigação cênica. Dentre essas pessoas quero citar um nome do NENO, coordenador do grupo de bumba-meu-boi Excalíbur, do bairro Jacintinho da cidade de Maceió, que com seu olhar popular contribuir muito com as suas considerações, falas simples, mas muito direcionadas e claras. Deixo aqui registrado o meu muito obrigada a todos.

Adentrando em meu trabalho gostaria de começar a falar sobre o mesmo dizendo que, a responsabilidade que criar algo é muito grande; Ser criador(a) exige de nós uma dedicação, compromisso, muito maior do que possamos imaginar, mas o prazer em ser criador(a) é impagável (pensei nisso exatamente na madrugada do dia 21 de janeiro de 2010, quando havia perdido o sono por conta que as ideias sobre o solo me vinham em enxurradas, minha obra estava me chamando) O começo do projeto se deu em outubro de 2009, informalmente. (mas oficialmente se deu em dezembro de 2010). Nos encontramos durante toda a sua execução nos dias de quintas e sextas-feiras, das 19:00h as 22:00h, na sede do Quilombos (local escolhido para que desenvolvêssemos o projeto). No primeiro encontro decidimos que iríamos apresentar a proposta de trabalho de cada um, levando o que já tínhamos de material. O que levei foi um vídeo que tinha produzido para o Rumos, Itaú Cultural - 2009. Neste momento o trabalho ainda se nomeava como Falsa Magrela. Apresentei esse vídeo que continha algumas ações e que ainda hoje permanece mais re-configuradas com mais alguns textos que tinha escrito lá começo de 2006: Diário de uma Falsa Magrela. A partir dessas materiais começamos os trabalhos. Havia mais 6 trabalhos solos no projeto: Urucungo - Denivan Costa, Ancestral - Jadiel, Instantâneo Integral – Mary Vaz, Espinhos – Reginaldo Oliveira, Caio – Procedimento de Rotina – Jorge Schutze e o meu: Rótulo – As impressões do corpo. No primeiro mês de projeto tivemos a saída de Jadiel e no segundo mês a de Reginaldo, mas também tivemos a entrada de Jaílton de Oliveira com o solo Memória da Pele.

Rótulo é uma performance que surge no intuito de promover o entendimento da relação corpo e Imagem. Qual a imagem que temos de nós mesmos, frente ao espelho, frente aos outros, frente ao nosso desejo? Como pode ser possível termos propriedade de nossa imagem ante a relação abusiva e desconstrutiva do que é padrão de beleza na atualidade. O corpo social-cultural tem claramente forte domínio sobre o indivíduo, mas, como induzir a aceitação da nossa própria imagem quando tudo ou muita coisa ao nosso redor nos grita para que sejamos desfigurados. A questão é como tornar o corpo-objeto, corpo-produto em corpo-sujeito? O meu trabalho é totalmente pessoal por se tratar de algo que eu vivenciei durante o ano de 2003. Tive problemas de Bulimia e começo de anorexia quando estava cursando o 3º ano do ensino médio e desde então a relação que mantive com a imagem e com alimentação era muito neorótica: "Neurose: Meio termo entre um distúrbio da mente e a realidade, concessão a que uma pessoa se acomoda, em troca de um fantasma , um mito, ou um rito". (Morin, 2009, Pg. 07). A ideia de imagem se tornou para mim com toda a certeza um fantasma, e com o qual eu não conseguia lidar de forma alguma. Passado o tempo e já recuperada (de forma parcial) cursando o 3ºano, agora o da faculdade de Artes Cênicas: Licenciatura em Teatro resolvi brincar com esse fantasma, desestabilizá-lo e torná-lo visível através de textos, foi daí que surgiu o Diário de uma Falsa Magrela (anotações de coisas que tinha acontecido comigo no período da doença), isso num ano muito especial, o de 2006, momento que eu começo a ter clareza de quais caminhos profissional-artísticos eu gostaria de galgar, direcionando as minhas buscas para onde o corpo tivesse espaço. A partir disso tive mais liberdade de tornar algo que para mim era uma patologia em algo expressivamente poético.

Comecei a pensar que o corpo que "neuroticamente" almejava era falso, ilusório, e por tanto não me pertencia; Comecei a não mais me reconhecer nessa ilusão, por que por mais que eu emagrecesse o meu espírito permanecia gordo, foi a partir dessa reflexão que intitulei o trabalho de Falsa Magrela, eu possuía um corpo falso, e lutava para mantê-lo falseando a minha existência. Eu dormia muito para não comer, e assim não engordar. Cheguei a tomar Potenay, remédio veterinário usado na recuperação de animais com anemia, e quando usados em humanos pode ter dois efeitos, intravenoso faz você perder peso, e injetado diretamente no músculo tem o efeito bomba. Busquei desenfreadamente pesos irreais, desordenando assim meu metabolismo e vivendo em um eterno "efeito sanfona".

Outras reflexões surgiram, e tudo isso por que a ideia de corpo que eu tinha foi sendo modificada quando comecei a trabalhar diretamente com ele, foi tendo noção de que eu sou o meu corpo, ou até mesmo antes disso, de que eu possuía um corpo. A partir dessa consciência o meu corpo saiu de um lugar de estorvo para ser matéria criadora, me tornando mais humana através dessa criação; Ironicamente pelo corpo eu me tornei mais humana.

Tenho clareza de que esse caso não é isolado, cada vez mais temos visto a insatisfação do ser humano com seu próprio corpo. Em uma pesquisa realizada pela multinacional Univiler, na campanha Dove pela beleza Real, o nosso país ocupa a 5ª colocação com 89% de meninas e mulheres que querem mudar algum aspecto em sua aparência física. A margem mais baixa dessa pesquisa e a da Itália com 78%, número ainda assim altíssimo.

Vivemos numa era imagética, onde o peso da imagem pode superar quaisquer valores éticos e morais isso tem um fator claro, segundo Bauman, nosso espaço de convivência social tem sido conhecido como mercado, nos tornando uma sociedade de consumidores, onde estamos preparados para divulgarmos-nos e não para nos relacionar, e quanto melhor a aparência melhor será a divulgação, assumimos assim um papel de produtos.


Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável (...) A característica mais proeminente da sociedade de consumidores - Ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta - é a transformação dos consumidores em mercadoria (Bauman, 2008. Pg 20)


E ainda, está fora dessa convivência propagandista (compra e venda) é segundo Bauman uma experiência de morte: Mais não muito... Na era da informação, a invisibilidade é equivalente a morte". (Bauman, 2008. Pg. 21).

Estando inserida nesse contexto sócio-cultural e tendo experimentado o extremo dessa realidade com os problemas de distúrbios alimentares, usei esse material como suporte de minha pesquisa. Mas para não se fechar em mim, tão somente em mim, resolvi pesquisar outras pessoas que passaram pelos mesmos problemas, pesquisando blogger´s Pró - Ana (Pró- Anorexia), criando pontes com mundos geograficamente separados, mas tão intrinsecamente ligados. Dessas pesquisas me surgiu um texto o qual eu uso em um momento do trabalho, o título dele é: Sou pró-ana porque?; Nele uma garota diz todos os seus motivos por que escolheu ser a favor da anorexia, como se isso fosse um estilo de vida e não uma doença.

Sou pró-ana porque?

por que eu quero ser linda

por que eu quero que todos sintam inveja de mim

por que eu vou ficar bem em qualquer rouba (...) Por que comida é igual a crack...



Além dessa pesquisa com os blogger´s fiz também um levantamento de imagens diversas relacionadas a esse universo, criando assim um banco com as mesmas. Tenho desde fotos 3X4 minhas, que eu tirava cada vez eu eu emagrecia alguns quilos a obras de artistas plásticos como: Botero, Ricardo passos, e a performer Orlan, que se submeteu a 9 cirurgias plástica, para modificar o seu rosto, alterando para formas encontradas em obras de artes famosas, tudo isso sendo transmitido ao vivo para muitos países, em galerias de artes, e que além disso fez uma exposição com o material das cirurgias, como por exemplo, as gases de sangue. Montando esse banco de imagens eu pensei em fazer uma cena que eu pudesse expor somente propagandas de alimentos. Isso surgiu com referência ao um texto que tinha feito sobre orgia alimentar:


Tempo do Lacto-purga: Nem sempre permaneci fiel aos meus princípios calóricos, tinha vezes que participava solitariamente de orgias alimentares. É isso mesmo, orgia alimentares, nesses momentos eu comia: Uns 5 pães, refrigerante em lata, chocolates, Gula – aquele pacote grande de pipoca, olha só o nome GULA. E não podia faltar nessa orgia os sovertes com cobertura de morango. Depois de tudo isso meu estomago doía, e muito. Mas, resolvia a minha culpa rápido. Tomava de 1 a 2 comprimido lacto-purga e só podia ser ele pois para mim era o mais forte. Com os meus excrementos iam também as minhas culpas, quer dizer meias culpas.


Como todo esse material que estava sendo colhido, concomitantemente estava experimentando como isso poderia ser colocado cenicamente falando, sem que tudo isso não virasse simplesmente um vômito patológico. Nesse momento eu estava até mesmo receosa com o nome do trabalho Falsa Magrela, por que eu entendia que isso limitava o meu universo de pesquisa, consequentemente limitava a cena. Fui para o meu primeiro ensaio público no mês de Janeiro onde iria ser apresentado fragmentos dos trabalhos de todo mundo, o meu fragmento foi a cena das fitas de empacotamento, cena essa que tem o texto pró-ana. Neste dia tivemos muitos convidados. Após a apresentação dos fragmentos de cada trabalho fizemos a roda de bate-papo onde houve um momento singular, o momento em que Nadja - MANA -, coordenadora de literatura do SESC - Alagoas, falou que se ela estivesse em casa e alguém a chamasse para assistir um espetáculo cujo nome era Falsa Magrela com toda a certeza ela não iria´por conta da temática já não lhe agradar, ela acha que esse tema já foi e é muito abordado pela mídia. Eu já estava com a preocupação de não restringir o universo da pesquisa em distúrbio alimentar, até mesmo porque o que causa tal doença envolve questões muito mais complexas que o simples fato de querer sem magra. Um dos fatores são os nossos desejos se resumirem  a uma relação de consumo, como vimos um pouco acima. Por conta disso resolvi depois de algum tempo (contando desta época em que a obra estava no plano das ideias) como Falsa Magrela mudar o nome do trabalho, só que não sabia para qual, sabia que queria a mudança. Fiquei desesperada por me sentir sem uma identidade que realmente representasse à totalidade da obra. Pensei em vários nomes, escrevi vários nomes, depois percebi que o meu ato era um tanto rotulante. Daí surgiu o nome Rótulo, as impressões do corpo.

Já com esse nome e com apenas um fragmento no meio desse processo estava pesquisando na internet e vi um festival de performance aberto, Festival de Apartamento em São José do Rio Preto - São Paulo. Sem pensar muito tive a coragem de escrever o fragmento, foi selecionado pelo coordenadores do festival e foi muito bem recebido pelos artistas locais. Foi a primeira vez que o festival tinha recebido inscrição de tão longe, ultrapassando a região Sudeste.

Hoje o trabalho tem 4 cenas que podem ser apresentadas como fragmentos e/ou interligadas, mas a intenção é manter esse elo entre elas. Sendo a 1ª cena, Orgia Alimentar, a 2ª a depilação, a 3ª as fitas de empacotamento e a 4ª e última, o Banquete .
 
Muitas ideias ao longo do processo foram sendo testadas. O ensaio público nos permitiu um aprofundamento e melhoramento das cenas, coisa que não poderia ter acontecido sem a presença do público. Sem a presença do público Mana, Rótulo talvez ainda se chamasse Falsa Magrela. Sem a presença do público Gláucia Machado eu não teria trocado ideias com ela depois, sobre uma observação do Jorge, que o meu trabalho tinha uma estética crua. E como não tinha entendido bem o que seria essa estética resolvi mandar um e-mail para Gláucia perguntando e ela me respondeu:

Charlene, não sei se é o caminho mais indicado para o seu trabalho, mas estética crua me remete ao duplo :cru/cozido que faz pensar na mais antiga das oposições: Natureza X Cultura, ou em termos bem modernos: Estruturais. No trabalho do filósofo, antropólogo e etnólogo: Claude Lévy -Strauss e em sua série (quatro ensaios) intitulado Mitológicas: O primeiro é justamente Le cru et le cuit ( o cru e o cuzido), de 1964 que traz 813 mitos diferentes analisados num arranjo que evoca música: Um clássico necessário. Articular esses termos com estética crua: Primeva, de digestão mais difícil, que não passou pelo fogo, fogo que depura; Pensar no mito do fogo, na figura de Prometeu, em ter o fígado devorado - visceral castigo proporcional a seu roubo do fogo ara beneficiar ao homem. Também me ocorre agora outro livro, Mary Douglas: Pureza e Perigo que traz interessantes observações sobre o que é elaborado, ordenado, em confronto com o "cru" fora de ordem, sem controle. Que esses argumentos sirvam para alguma coisa.

Abraços, Gláucia!


Sem a presença do público Ricardo, talvez eu não me atentasse que o nu que eu estava propondo não estava nu e, que o lugar seguro é perigoso (frase que Ricardo repetiu por algumas vezes). Sem a presença do público Consuelo Maldonado, ex - companheira de Cia. LTDA, eu não tivesse me tocado que meu olhar em cena era um olhar que não esperava respostas (do público), apesar dessa ser a proposta.

Claro que eu poderia ter chegado a tais observações, não pelos mesmos caminhos, e nem com essa dimensão de troca, que é o que de fato pesa, a troca de saberes. O processo de construção caminhou assim por outras lugares, todos que participaram interferiram no processo, deixou o seu olhar impresso, Impressões de corpos.

Hoje sinto que meu trabalho ganhou uma dimensão muito maior dentro do projeto Registro Geral: Recuperação Material do Ato de Existir, não só pela logística proporcionada, mas pelo fato de estar produzindo individualmente e coletivamente ao mesmo tempo com demais pessoas que estão a fazer a mesma coisa. Toda essa estrutura favoreceu nascimento de Rótulo. Percebo que apesar de não está pronto e ter a pretensão de estreá-lo em outubro, mesmo assim, hoje sinto que meu trabalho se tornou maior que a minha pessoa, e requer de mim um maior desprendimento e o um sentimento de doação.